Enquanto o mundo debate soluções para o acúmulo de resíduos que poluem oceanos e cidades, um novo estudo sugere uma mudança de foco radical: os portos. Pesquisadores apontam que terminais portuários funcionam como “gargalos” estratégicos por onde escoa a massiva produção global de plásticos e, portanto, são os locais ideais para frear esse fluxo antes que ele se torne um problema ambiental irreversível.
A análise, conduzida por acadêmicos da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Universidade de Queensland (Austrália), destaca que o plástico não é um problema local, mas uma commodity transnacional. Desde a década de 1950, a produção desse material explodiu, triplicando de demanda apenas entre 1991 e 2021. No entanto, as políticas atuais focam majoritariamente na produção (extração de petróleo) ou no descarte (reciclagem), ignorando o “midstream” — o transporte e comércio internacional.
O estudo, que utilizou o Porto de Santos como laboratório de análise, argumenta que os portos são territórios delimitados, altamente informatizados e monitorados. Diferente da pulverizada rede de consumo final, os portos concentram o fluxo de mercadorias em poucos pontos de passagem.
“O plástico não se fabrica em um bairro. Ele depende de uma cadeia internacional gigantesca”, apontam os autores Caroline Malagutti, André Luiz Pardal, Nicole Russo e Pedro Fidelman. Ao identificar os portos como funis dessa cadeia, a proposta é implementar tarifas e regulações nestes locais. A receita gerada poderia financiar a inovação de materiais substitutos e sistemas de reuso, atacando o problema na raiz econômica.
Desigualdade no controle de plásticos e o Sul Global
Um ponto crucial levantado pela pesquisa é a justiça climática. A aplicação de taxas apenas em portos do Norte Global poderia encarecer produtos essenciais e reduzir o poder de compra no Sul Global, aprofundando desigualdades.
A solução proposta envolve uma coordenação internacional onde os portos do Sul também recebam investimentos em agências ambientais e tecnologia. O objetivo é evitar que países em desenvolvimento paguem a conta da transição energética sozinhos, garantindo que os recursos obtidos com a taxação do plástico financiem a recuperação de áreas degradadas e o desenvolvimento de novas tecnologias nessas regiões.
Os pesquisadores defendem o uso de dados do World Integrated Trade Solution para embasar negociações globais. Ao rastrear os 140 tipos de insumos plásticos que cruzam os oceanos, é possível criar metas de redução gradual baseadas em evidências, e não apenas em boa vontade política. A estratégia visa confrontar o poderoso lobby do petróleo, que continua a subsidiar a produção de polímeros virgens, dificultando a adoção de modelos circulares.
A conclusão é clara: sem intervir no comércio internacional, o mundo continuará “enxugando gelo” na gestão de resíduos. Os portos, historicamente facilitadores do comércio, podem ser a chave para bloquear a maré de plástico que afoga o planeta.