Ultraprocessados (Foto: Freepik)

Saúde

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Pesquisas apontam ultraprocessados como ameaça crescente à saúde global

Especialistas alertam para a expansão dos ultraprocessados, ligam o consumo a maior risco de câncer e cobram medidas para frear a indústria

A discussão sobre os riscos associados ao consumo elevado de ultraprocessados ganhou força nesta terça-feira (18), após a divulgação de uma nova série de pesquisas na revista The Lancet.

Pesquisadores de diversos países, sob a coordenação do nutricionista brasileiro Carlos Monteiro, divulgaram análises que apontam a expansão dos ultraprocessados como fator ligado ao aumento mundial de doenças crônicas com destaque para o câncer, e reforçaram a necessidade de medidas urgentes.

A própria série publicada pela revista traz um alerta direto: “É hora de priorizar a saúde em vez do lucro”. Os ultraprocessados incluem produtos ricos em aditivos, como corantes e aromatizantes artificiais, além de altos teores de açúcar, gordura ou sal, com pouca presença de ingredientes naturais de origem animal ou vegetal.

Segundo Monteiro, da Universidade de São Paulo (USP), o aumento do consumo deste tipo de alimento tem alterado o padrão alimentar em escala global, substituindo refeições preparadas com ingredientes frescos. Ele destacou que grandes corporações, movidas por altos lucros, impulsionam esse mercado e atuam para barrar políticas públicas que favoreçam escolhas mais saudáveis.

Na série publicada pela The Lancet, os autores analisam evidências de diversos estudos que mostram a relação entre dietas ricas em ultraprocessados e maior risco de obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares e até morte precoce. Entre as pesquisas citadas está um estudo da JAMA Network, divulgado no dia 13, que observou maior incidência de câncer de intestino entre mulheres que consumiam grandes quantidades de produtos industrializados.

O estudo conduzido pelo Mass General Brigham Cancer Institute, nos Estados Unidos, identificou que mulheres com menos de 50 anos que relataram consumir entre nove e dez porções diárias de ultraprocessados apresentaram um risco 45% maior de desenvolver pólipos colorretais, lesões que podem evoluir para tumores, quando comparadas às que ingeriam menos de três porções por dia.

Para os cientistas que participaram dessas pesquisas, o vínculo entre ultraprocessados e doenças decorre de fatores como a alta densidade calórica, o uso intenso de aditivos e a formulação dos produtos, pensada para incentivar o consumo exagerado. Entre esses componentes estão substâncias que aumentam o apetite, levando o consumidor a ultrapassar facilmente as porções recomendadas nos rótulos.

Medidas para limitar os ultraprocessados

Criador do conceito de ultraprocessados dentro da chamada “classificação nova”, Carlos Monteiro defende, na série publicada pela The Lancet, que o conjunto de evidências já disponível com impactos que vão do desequilíbrio hormonal à piora do sono e ao aumento de inflamações crônicas, é suficiente para embasar uma regulamentação mais rígida sobre esses produtos.

Entre as recomendações, estão a adoção de rótulos mais objetivos, que deixem explícitos os ingredientes usados na fabricação, e a limitação de anúncios direcionados ao público infantil.

Os pesquisadores sugerem a criação de impostos sobre ultraprocessados, com o objetivo de financiar subsídios que estimulem o consumo de alimentos frescos. A proposta também abrange o fortalecimento de programas públicos de alimentação, como a merenda escolar, onde a oferta de produtos industrializados deveria ser reduzida.

O grupo recomenda ainda a adoção de novos rótulos frontais que indiquem, de forma clara, ingredientes característicos de ultraprocessados, entre eles corantes e aromatizantes, além de limitar a presença desses itens em espaços públicos, especialmente escolas e hospitais.

Pressão internacional e próximos passos

Os estudos também ressaltam a importância de blindar políticas de saúde da interferência corporativa. De acordo com os autores, empresas do setor exercem forte pressão sobre órgãos reguladores em diferentes países para dificultar a implementação de rótulos mais informativos e a restrição ao uso de aditivos químicos.

Os levantamentos mostram que as oito maiores fabricantes de ultraprocessados no planeta — Nestlé, PepsiCo, Unilever, Coca-Cola, Danone, Fomento Econômico Mexicano, Mondelez e Kraft Heinz, movimentam, juntas, mais de um trilhão de dólares por ano, valor superior ao PIB de toda a região Sudeste do Brasil.

Segundo os pesquisadores, o cenário atual guarda semelhanças com o enfrentado nas políticas de controle do tabaco, motivo pelo qual eles defendem uma reação conjunta dos países para conter a força das grandes corporações e proteger a saúde pública.

Para superar esse problema, é necessário que os governos ampliem sua atuação e adotem medidas firmes e articuladas, desde a inclusão de indicadores de ultraprocessados nos rótulos frontais até limites à comercialização e a criação de impostos que ajudem a financiar o acesso a alimentos mais saudáveis”, afirmou a professora Camila Corvalan, da Universidade do Chile.

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