Artigo: Raquel Carlos | Foto: Freepik

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Educação

Adultização: quando o like vale mais que a infância

Mídia e algoritmo exigem responsabilidade coletiva que envolve famílias, escolas, plataformas digitais e o Estado

O debate sobre adultização infantil voltou a ganhar força com a sanção do PL da Adultização, conhecido como “ECA Digital”. O Projeto de Lei nº 2.628 aumenta a proteção de crianças e adolescentes na internet. O texto prevê obrigações para empresas de tecnologia, como mecanismos de controle parental e limitação de acesso. É um passo importante, mas a legislação sozinha não resolve: é preciso ação prática no dia a dia.

Embora pareça um fenômeno recente trazido pelo vídeo do youtuber Felipe Pereira (Felca), está longe de ser novidade. O que muda hoje é a escala: as mídias digitais ampliam a exposição e a pressão de forma inédita, permitindo que comportamentos antes restritos a espaços locais se tornem virais em segundos. O problema não é apenas estético ou de moda. A adultização infantil compromete dimensões essenciais do desenvolvimento humano, afetando a saúde mental, a construção da identidade e, em casos extremos, colocando a integridade física em risco.

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Pesquisas da Unicef mostram que crianças expostas precocemente a padrões adultos de comportamento apresentam maior propensão à ansiedade, baixa autoestima e dificuldades de socialização. Além disso, segundo a SaferNet Brasil, 36% das denúncias de exploração sexual infantil online em 2024 estavam relacionadas a conteúdos publicados pelas próprias crianças, muitas vezes sem compreensão do alcance e das implicações.

Esse não é um problema privado. É uma responsabilidade coletiva que envolve famílias, escolas, plataformas digitais e o Estado. A meta não é tolher a criatividade ou o protagonismo digital dos mais jovens, mas garantir ambientes seguros e mediação competente. É fundamental entender que saber usar tecnologia não significa ter maturidade para lidar com riscos. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) desmistificou, já em 2022, o conceito de “nativos digitais”, reforçando que crianças podem dominar ferramentas, mas ainda não possuem discernimento suficiente para avaliar consequências.

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Para as famílias, a chave é presença ativa. Isso significa dialogar sobre conteúdos, explicar riscos e estabelecer combinados claros para o uso de redes sociais, como definir horários e ambientes de conexão. É fundamental ensinar que curtidas não definem valor pessoal e que influenciadores nem sempre representam a realidade. Outra estratégia eficaz é consumir conteúdos junto com as crianças, comentando criticamente vídeos, músicas e tendências, para ajudá-las a desenvolver filtros próprios.

As escolas também precisam agir. Incluir educação midiática no currículo é urgente. Algumas instituições já criam oficinas para analisar vídeos virais, discutir padrões estéticos e explicar o funcionamento de algoritmos. Simulações sobre como identificar fake news, compreender a lógica de engajamento e reconhecer discursos que reforçam padrões sexistas são exemplos de práticas que equipam crianças para navegar com segurança e senso crítico. Formar professores para lidar com esse tema é igualmente essencial, pois são eles que podem orientar famílias e criar ambientes de diálogo.

Proteger a infância é garantir que cada criança viva o tempo de ser criança, cresça com saúde física e emocional e construa sua identidade sem pressões indevidas. A adultização infantil não pode ser naturalizada, seja nas telas ou fora delas. É hora de transformar a indignação coletiva em políticas públicas, práticas pedagógicas e escolhas cotidianas que coloquem a infância em primeiro lugar.

**Raquel Carlos é Diretora Acadêmica do Edify Education

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