“Às vezes me pergunto por que faço essas coisas com meu corpo.” A pergunta surgiu quando eu, tremendo de frio, terminei uma corrida no inverno de Oulu, cidade finlandesa 170 km ao sul do Círculo Polar Ártico. A temperatura marcava -15 ºC.
Menos de uma hora depois, eu já estava do outro lado do termômetro: dentro de uma sauna a 85 ºC, onde o calor do enorme fogão a lenha parecia atravessar os ossos. E ainda não era o suficiente.
“Saí da sauna para o ar gelado, com vapor subindo do meu corpo, e desci por uma escada coberta de gelo até as águas gélidas do rio Oulu, com cerca de 1 °C. A dor foi lancinante, como se milhões de agulhas espetassem minha pele.”
Mas algo curioso acontece: após alguns segundos de pânico, vem o alívio. “A dor pareceu desaparecer — fiquei bem com aquilo. Quase como um abraço congelante.” Ao sair da água, o ar de -15 ºC parece… quente.
Se isso soa como tortura para alguns, para outros é uma fonte de prazer, energia e bem-estar. A prática não só faz parte da rotina de milhões de finlandeses, como agora se espalha pelo mundo como tendência de saúde e autocuidado — e a ciência começa a explicar por quê.
“Os finlandeses vão à sauna pelo menos uma vez por semana e passam de cinco a 30 minutos em um ambiente entre 80 e 100 °C”, explica Heikki Junkkari, médico e integrante da Sociedade Finlandesa de Sauna.
O ciclo de calor extremo seguido de mergulho no frio provoca um efeito poderoso no sistema cardiovascular. “Na sauna, os vasos sanguíneos se dilatam e a pressão arterial cai. No banho gelado, o efeito se inverte: os vasos se contraem e a pressão sobe”, detalha Setor Kunutsor, epidemiologista da Universidade de Manitoba, no Canadá.
A prática milenar foi até reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Unesco. E não é só uma tradição: estudos mostram que ela pode ajudar na prevenção de demência, melhorar a saúde do coração e até aliviar dores crônicas. “Ir à sauna algumas vezes por semana está associado a menor risco de hipertensão, doenças cardíacas e morte súbita”, afirma Kunutsor.
O benefício, segundo a ciência, vai além do físico. “A sauna é um espaço em que nossas normas e convenções são suspensas temporariamente — tiramos as roupas, sentamos próximos e suportamos extremos juntos. São ambientes rituais poderosos para a transformação das nossas identidades”, explica Martha Newson, psicóloga da Universidade de Greenwich.
Para a terapeuta Laura Foon, o efeito é quase espiritual: “Mergulhar na escuridão reconfortante da sauna é profundamente curativo. É como retornar ao útero.”
Entre choques térmicos, hormônios do bem-estar e respiros de silêncio no mundo hiperconectado, a pergunta inicial se responde sozinha. Talvez “fazer isso comigo” seja, na verdade, um presente para mim mesma.