Um homem de 59 anos procurou o Primeiro Hospital da Universidade de Pequim, na China, para um procedimento de rotina, quando começou a sentir dores fortes no peito e dificuldade para respirar. Quatro meses antes, ele havia removido tumores cancerígenos da bexiga. Ao lado da família, esforçava-se para transmitir força, evitando conversas sobre a própria saúde. No entanto, sozinho, o medo da volta do câncer o mantinha acordado noite após noite.
Os médicos diagnosticaram o paciente com cardiomiopatia por takotsubo — popularmente conhecida como síndrome do coração partido —, uma condição rara e induzida por estresse, conforme relatado em um estudo de caso publicado em 2021. Embora normalmente associada a mulheres, uma pesquisa divulgada em maio no Journal of the American Heart Association alerta para um dado preocupante: homens com essa síndrome têm mais que o dobro de risco de morrer.
“As diferenças entre homens e mulheres são um achado muito marcante”, afirmou o Dr. Mohammad Reza Movahed, professor clínico de medicina na Universidade do Arizona e coautor do estudo. “Isso levanta uma nova e interessante questão que realmente merece ser estudada.”
A cardiomiopatia por takotsubo costuma ser desencadeada por situações emocionais ou físicas extremas — como receber a notícia da morte de um ente querido, ganhar na loteria ou até mesmo levantar um móvel pesado. Durante esses eventos, o coração é inundado por hormônios do estresse, chamados catecolaminas, que podem “atordoar” temporariamente o músculo cardíaco, dificultando o bombeamento de sangue. Os sintomas, que incluem dor no peito, palpitações e batimentos irregulares, se assemelham aos de um ataque cardíaco.
O estudo de Movahed, que avaliou quase 200 mil pacientes hospitalizados com a síndrome entre 2016 e 2020 nos Estados Unidos, constatou que, embora 83% dos casos ocorressem em mulheres, a taxa de mortalidade foi de 11,2% entre os homens.
Especialistas suspeitam que os hormônios desempenhem um papel importante nessas diferenças. “Situações estressantes fazem com que as glândulas suprarrenais liberem hormônios de luta ou fuga, conhecidos como catecolaminas”, explicou Movahed. “Eles servem para aumentar a pressão arterial e a frequência cardíaca, mas, em níveis extremos, podem ‘atordoar’ temporariamente as células do tecido cardíaco, levando à TC.”
De acordo com o Dr. Louis Vincent, pesquisador em cardiologia não invasiva da Universidade de Miami, “o estrogênio, produzido em maior quantidade nas mulheres, pode ter um efeito protetor sobre o sistema cardiovascular, ajudando a gerenciar esse pico hormonal e reduzindo o risco de complicações graves.” Ele, que conduziu uma pesquisa semelhante sobre as diferenças entre os sexos, não participou do novo estudo.
Além dos fatores biológicos, elementos sociais também entram em jogo. “A maioria dos médicos conhece a takotsubo, mas pode pensar nela como uma doença que afeta apenas mulheres, então o diagnóstico pode ser negligenciado em homens”, observou o Dr. Deepak Bhatt, cardiologista e diretor do Mount Sinai Fuster Heart Hospital, que também não participou da pesquisa. “Com o diagnóstico incorreto, o atendimento é atrasado, e isso pode levar a desfechos piores.”
Homens, por sua vez, podem demorar mais a procurar ajuda, acreditando que os sintomas vão passar. “Eles tendem a minimizar a dor ou a falta de ar, pensando que é algo passageiro”, explicou o Dr. Alejandro Lemor, professor assistente de cardiologia intervencionista na Universidade do Mississippi.
As complicações da TC podem ser graves: coágulos sanguíneos, AVC, parada cardíaca e insuficiência cardíaca. “Se detectada precocemente, a doença pode ser tratada com medicamentos para reduzir riscos, restaurar a função cardíaca e permitir a recuperação completa em poucas semanas”, disse Lemor.
Movahed destacou que o estudo considerou variáveis como idade, raça, renda, doenças pulmonares, hipertensão e diabetes. Entretanto, como ressaltou Vincent, a pesquisa não incluiu pacientes com histórico de AVC ou infecção por Covid-19, nem aqueles que morreram fora do ambiente hospitalar.
“Para entender melhor essas diferenças e testar abordagens de tratamento, seriam necessários dados mais detalhados”, apontou Vincent. “As pessoas devem estar cientes de que, em estudos como este, estamos apresentando achados com base em códigos de diagnóstico — e não em exames laboratoriais ou procedimentos específicos —, mas isso nos permite identificar tendências em grandes populações. E acho que essa tendência de maior mortalidade entre os homens merece uma análise mais profunda.”
O alerta dos especialistas é claro: dor súbita e intensa no peito ou falta de ar são emergências médicas. “Esse não é o momento de tentar aguentar em casa ou procurar explicações na internet. Ligue para os serviços de emergência”, orientou Bhatt. “O tempo faz diferença: algumas horas podem evitar danos irreversíveis ao coração.”
Por fim, Movahed lembrou que situações de estresse físico, como crises de asma ou convulsões, também podem desencadear a síndrome, especialmente em homens. Já Bhatt recomendou que, apesar de a doença estar ligada a estresse súbito, a prática de exercícios e meditação diária ajuda a proteger o coração e pode ser uma ferramenta valiosa para lidar com situações inesperadas.