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Cristal emociona ao revelar a força da arte preta no audiovisual brasileiro

Da roda de poesia em Porto Alegre ao MASP, a rapper gaúcha construiu uma estética única no audiovisual brasileiro, guiada por coragem, imaginação e pela força ancestral que dá vida à sua arte

A história de Cristal no rap e no audiovisual começa muito antes dos grandes números, das indicações a prêmios ou da presença em exposições prestigiadas. Começa em 2017, numa roda de poesia em Porto Alegre, quando ela tinha apenas 15 anos. “Ali eu manifestei aquilo, eu assumi pro mundo que eu era artista. E pensei: não tem mais como voltar atrás”, relembra. Foi naquele slam, no Peleia, que a rapper entendeu que estava abrindo uma porta sem retorno, a porta de um futuro que ela mesma criaria. “Eu não sabia exatamente o que ia vir pela frente, mas eu sabia que era aquilo que eu ia ser. Que eu já era.”

O primeiro passo veio com “Rude Girl”, seu single de estreia, produzido por MDN Beatz. A artista já era reconhecida no circuito da poesia, e a música só ampliou esse alcance. Mas foi com “Ashley Banks”, seu primeiro clipe, que ela definitivamente furou a bolha regional. “Eu construí o imaginário que todo mundo sonhava, a família Banks, do ‘Maluco no Pedaço’. Botei meus familiares como personagens. Tudo era muito simbólico, e as pessoas nem imaginavam que aquilo vinha do Rio Grande do Sul”, conta.

Cristal (Foto: Reprodução/Instagram)

Ali, ficava evidente que a identidade negra gaúcha seria parte estruturante de sua assinatura. Vieram depois colaborações marcantes, como “Deus Dará”, com Djonga, que impulsionou o impacto de “Ambição”, clipe que se tornaria um marco histórico. A obra não só ganhou o público: virou peça na exposição Histórias Brasileiras, no MASP.

“Eu nunca pude ver meu clipe no MASP. Eu ainda morava no Rio Grande do Sul, não tinha estrutura de vir a São Paulo. Passou, e eu nunca vi”, lembra, com uma mistura de humildade e grandeza. Para ela, o audiovisual sempre foi mais do que estética: era reparação. “É importante criar imaginários possíveis para pessoas pretas.”

Essa visão guiou também o primeiro EP da artista, “Quartzo”, pensado como um universo visual contínuo, cada faixa com uma cor, uma atmosfera, uma narrativa. Mas nenhum projeto exigiu tanto de Cristal quanto “Epifania”, seu primeiro filme, lançado em 2024 após quase quatro anos de criação e produção.

Foto: Reprodução/Instagram

“Era meu sonho de criança: dublar uma animação, fazer um desenho meu, criar a personagem Soul. Queria reverenciar artistas que sempre estiveram no imaginário da minha família. Mostrar: gente, essa sou eu.”
A obra levou sua estética ao auge, afirmando a música preta brasileira não como referência, mas como essência: “Não é algo que eu visito. É algo que vive em mim.”

Para construir essa identidade visual tão singular, Cristal cercou-se de equipes que compreendessem sua sensibilidade. “Eu não tinha conhecimento técnico, eu tinha um imaginário. Quando a gente é preto e quer manifestar isso no audiovisual, já é revolucionário”, afirma.

Parcerias com o diretor Cleverton Borges, o fotógrafo Afrovulto e equipes pretas foram fundamentais. “Eu queria unir pessoas que respeitassem aquele imaginário. O audiovisual leva a pessoa pra dentro do meu universo. É infinito.”

Se o impacto artístico já era evidente, os reconhecimentos formais vieram para confirmar. “Ashley Banks” ganhou o prêmio de Melhor Videoclipe no Festival Cinema Negro em Ação (2020). “Ambição” recebeu menção honrosa em 2021 e virou peça de museu em 2022. Em 2023, “Kawo” levou o prêmio de Melhor Edição do Ano pela Oscar Bee Academy, um trabalho com carga emocional especial por ter envolvido jovens do projeto Manda Real. “Quando a gente bota luz em jovens que não são iluminados pela sociedade, eles florescem. Eles me ajudaram a contar essa história.”

Entre tantas conquistas, no entanto, a artista faz questão de revelar o bastidor que mais a emociona: a presença da mãe, Gisele, em cada etapa da jornada. “Minha mãe é uma das pessoas mais importantes da minha vida. Ela investiu no meu primeiro clipe com uma grana que a gente não tinha. Ela produziu todos os outros. Ela me ensinou a olhar para as pessoas e humanizar o audiovisual.”

Cristal lembra das madrugadas produzindo lanches para a equipe, das corridas atrás de locações, do cuidado absoluto. “Era quase uma devoção. Minha mãe é responsável por essa construção da Cristal no audiovisual.”

Vivendo um momento de expansão, a artista segue produzindo com o mesmo vigor. Em 2024, lançou “MT STRESS”, dirigido por M.nerva, e prepara mais um clipe até o fim do ano. O filme Epifania foi exibido em mostra de cinema para adolescentes em Porto Alegre, reafirmando sua missão: inspirar.

Na quarta-feira (12/11), Dia Mundial do Hip Hop, a cantora lançou o videoclipe do single “SOUTH SIDE”, faixa que celebra a força e a identidade da população negra do Sul do país. A canção, marcada pela fusão entre Soul e Rap, ganhou uma versão audiovisual potente, que amplia a mensagem de resistência e pertencimento presente na letra.

“Enquanto existir música, vai existir audiovisual na minha carreira. Vai existir personagem, cor, história, versão de mim. Eu penso sempre numa cristalzinha de 10, de 7, de 15 anos, sentada no banco do cinema. É por isso que eu faço tudo isso.”

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