“Se eu soubesse o quão dura era a parede, nunca teria batido com tanta força”, escreveu Sebastian Junger em 1992, ao relatar no New York Times o que fez durante uma discussão com sua então namorada. Ele não estava sozinho. “Praticamente todos os homens do meu círculo de amigos já haviam feito a mesma coisa.” Mas por que?
A cena não é rara — nem na vida real, nem na ficção. Em História de um Casamento (2019), Adam Driver soca uma parede em um momento de raiva crua. Em Carne, romance de David Szalay, um ex-militar agride uma porta de forma tão involuntária quanto um espasmo. Já no reality Casados à Primeira Vista Austrália, um participante admitiu ter feito o mesmo fora das câmeras. Para alguns, é apenas catarse. Para outros, é um pedido de ajuda.
“É uma forma relativamente comum de lidar com a raiva – para muitas pessoas, mas especialmente para os homens”, afirma Ryan Martin, professor de psicologia na Universidade de Wisconsin-Green Bay. “Tendo a imaginar que a maioria dos homens, em algum momento, já socou alguma coisa.”
Mas o que há por trás disso?
Relatos em primeira pessoa são raros. A vergonha costuma ser maior que o machucado. E os dados também são escassos. Uma análise de 2014 em prontos-socorros de cerca de 100 hospitais dos EUA encontrou uma média de 104 atendimentos por mês relacionados a socos em paredes — majoritariamente adolescentes do sexo masculino. Ataques de fúria.
“Queremos liberar essa energia de alguma forma. Algumas pessoas apenas lidam melhor com isso do que outras”, diz Martin. Ele mesmo cresceu em uma casa onde o batente da porta tinha buracos — um feito de cada irmão.
O ato, aparentemente impulsivo, tem raízes mais profundas. “A raiva nos diz que algo está errado – às vezes corretamente, às vezes não”, aponta o psicoterapeuta David Woolfson. Mas, ao contrário do que se pensa, descontar a fúria num objeto não resolve. “É um mito que isso possa coexistir com autocontrole. Há uma ameaça implícita – você não precisa bater em alguém para assustar essa pessoa.”
Socar uma parede pode parecer apenas um gesto individual, mas muitas vezes carrega mensagens perigosas — de intimidação, controle ou até autolesão. “Mesmo quem faz isso de vez em quando e se arrepende – ainda assim é preocupante”, alerta Martin.
No calor do momento, o cérebro emocional toma o controle do racional. A amígdala grita. O corpo se enche de adrenalina. Concentrar-se vira um desafio. Lembrar do que foi dito, também. E assim o soco ganha espaço. Mas isso não significa que seja inevitável.
Como lembra Sam Parker, autor de Good Anger, raiva não é o mesmo que agressão. “Longe de a violência ser o desfecho inevitável da raiva, muitas vezes é só uma forma de evitá-la. Perdemos o controle quando achamos o próprio sentimento de raiva intolerável.”
Na visão de Mike Fisher, da Associação Britânica de Gestão da Raiva, muitos homens se tornam “implosivos” — aprendem desde cedo a engolir a raiva, mas ela precisa sair. “É aí que começam a quebrar coisas”, diz. E às vezes, inventam desculpas para esconder o que fizeram. “Ficam tão envergonhados por ter socado uma parede, que dizem que foi um acidente.”
A ideia de que extravasar ajuda também é enganosa. “Isso vira seu padrão de expressão: a prática leva à permanência”, explica Martin. Quanto mais você usa a agressividade como válvula de escape, mais difícil fica interromper esse ciclo.
A boa notícia? Raiva pode ser reaprendida. “É uma habilidade. Exige prática. As pessoas precisam conseguir ‘encontrar a pausa’ no momento em que estão exaltadas”, diz Martin. Refletir sobre os gatilhos e identificar os sinais de acúmulo de estresse são formas de evitar que o corpo exploda antes da mente conseguir respirar.
Seja por trauma, pressão social, machismo ou silêncio emocional, socar paredes não é apenas um ato impulsivo — é um sintoma. E, como todo sintoma, precisa ser ouvido.