O universo do luxo está em transição. Em um movimento que mistura estratégia e necessidade, marcas consagradas estão se esforçando para contar ao público como e onde cada peça é feita. O objetivo é claro: reafirmar o valor de seus produtos em tempos de crescimento desacelerado e consumidores mais atentos. Os livros de arte repletos de imagens de artesãos trabalhando com precisão e as campanhas que exaltam materiais nobres e processos manuais se multiplicam, buscando resgatar a aura que sempre acompanhou os produtos de alto padrão.
A busca por justificativa é compreensível. Mesmo com o aumento nos preços, os lucros de várias grifes não acompanham a mesma curva. Dados da Bain & Company mostram que o mercado de bens de luxo pessoais atingiu € 363 bilhões em 2024, um crescimento notável frente aos € 223 bilhões de dez anos atrás. No entanto, esse avanço recente tem sido um dos mais lentos em anos.
Durante a pandemia, a combinação de estímulos econômicos e aumento da poupança levou muitos consumidores a investir em itens de luxo. A resposta das marcas foi imediata: os preços subiram de maneira expressiva. Na Europa, os valores estão hoje pelo menos 52% mais altos do que em 2019, segundo o HSBC.
Mas nem todos estão convencidos de que esse salto nos preços é proporcional à entrega. “Quer dizer, é um absurdo”, disse David Fischer, CEO da Highsnobiety, à CNN. “Na maioria das vezes, a qualidade deles não melhorou 52%. Os preços subiram tremendamente, mas a qualidade não.” A mesma crítica aparece nas redes sociais. “Eu entendo que você está pagando pelo nome da marca, mas quando se trata de qualidade real, parece que estamos sendo enganados às vezes”, escreveu um usuário no fórum Reddit Handbags.
Essas margens infladas começam a refletir nas vendas. A Chanel, por exemplo, registrou uma queda de 30% no lucro operacional, atingindo US$ 4,48 bilhões em 2024. A empresa, conhecida por reajustar seus preços duas vezes ao ano, não deve fazê-lo este ano. “Acho que as pessoas estão agora percebendo e dizendo: ‘Bem, eu realmente não estou disposta a gastar tanto dinheiro em algo que não mantém o valor’”, completou Fischer.
Hoje, quase tudo pode ser considerado luxo — de roupas e vinhos a velas e utensílios de cozinha. Um exemplo? A icônica panela Le Creuset, vendida por US$ 759, ou a vela Acqua di Parma, que ultrapassa os US$ 1.200. No entanto, mesmo esse conceito expandido enfrenta limites. O primeiro trimestre de 2025 sinalizou uma demanda mais tímida para marcas de diferentes segmentos.
É nesse contexto que o apelo ao artesanato ganha força. Marcas como Ferragamo têm apostado em colaborações para reforçar sua credibilidade. Nesta semana, a grife italiana contou com Volkan Yilmaz, o criador por trás do perfil Tanner Leatherstein, conhecido por desmontar bolsas e avaliar sua qualidade real. Em um vídeo patrocinado, Yilmaz analisou a Hug bag de € 2.400 e concluiu: “O governo italiano deveria definir esta bolsa como um ponto de referência para o requisito do selo ‘Made in Italy’”.
Para Gab Waller, personal shopper de celebridades como Hailey Bieber e Sofia Richie Grainge, o valor emocional de pertencer a uma marca ainda é relevante. “Peças que resistirão ao teste do tempo” são um critério essencial para seus clientes, e ela cita a Miu Miu como exemplo de marca que conseguiu alinhar tradição e marketing com sucesso.
Entretanto, a imagem do luxo também foi manchada por investigações recentes. Em julho passado, empresas como Armani e Dior foram alvo de autoridades italianas por possíveis irregularidades trabalhistas. A Valentino também esteve sob escrutínio. Apesar das negativas e da colaboração prometida pelas marcas, os casos levantaram questionamentos sobre a cadeia de produção dessas gigantes.
“Embora controvérsias recentes, como escândalos trabalhistas ou inflação de preços, possam ter acelerado o escrutínio, essa mudança é menos uma reação a episódios individuais e mais uma resposta a uma erosão mais ampla da confiança e do valor percebido”, explicou Claudia D’Arpizio, da Bain & Company. “Em um contexto em que os consumidores estão questionando o que justifica os preços premium, as marcas estão voltando ao que as tornou significativas em primeiro lugar: seu savoir-faire, sua narrativa e sua relevância cultural.”
O desafio ficou ainda mais evidente em abril, quando vídeos nas redes sociais mostraram fabricantes chineses alegando serem os verdadeiros fornecedores por trás de peças vendidas como italianas. A confusão gerada demonstrou como é fácil moldar a opinião pública. Audrey Dahmen, estrategista da TwentyFirstCenturyBrand, avaliou que isso afeta especialmente marcas de luxo. “Faz parte da imagem, certo? Sua imagem aspiracional faz parte da justificativa do preço.”
Ela credita esse novo cenário a uma maior consciência gerada por plataformas como o TikTok. “Se os clientes percebem algo, eles vão falar sobre isso. No ano passado, foi apenas alguém percebendo ‘ei, sua bolsa custou uns 35 euros para fazer, então por que estou pagando US$2.000?’”, afirmou Dahmen. “Sempre soubemos disso como especialistas, mas está ficando mais claro para o consumidor real.”
Enquanto isso, uma onda de mudanças nos bastidores das grifes aumenta a incerteza. Marcas como Chanel, Dior, Gucci e Celine estão passando por transições criativas, e outras como Givenchy e Calvin Klein também têm novos nomes à frente. “Algumas marcas estão trocando vários diretores criativos e (os compradores) podem nem gostar dos (designs) que estão sendo lançados”, afirmou Fischer. “’Luxo’ é uma palavra que soa um pouco artificial neste momento.”
A resposta do setor tem sido investir em legado e transparência. Em junho, a Santoni lançou um livro com mais de 180 imagens para narrar sua trajetória de cinco décadas. “Pareceu o momento certo para contar nossa história – não apenas por meio de produtos, mas por meio de valores, visão e identidade”, disse Giuseppe Santoni. “Acreditamos que o verdadeiro valor reside no que um produto oferece ao longo do tempo – em sua qualidade, longevidade e na emoção que carrega.”
A Tod’s, por sua vez, publicou um livro em abril para destacar os artesãos italianos que contribuem com sua história — do designer Walter Chiapponi a um peixeiro e um soprador de vidro. A Bottega Veneta seguiu caminho semelhante com a campanha “Craft is our language”, estrelada por nomes como Julianne Moore e Zadie Smith, exaltando o couro entrelaçado que é marca registrada da grife.
Ainda que o foco no artesanato pareça uma novidade recente, ele sempre esteve presente. A Tod’s, por exemplo, já apresentava seus artesãos na Milan Fashion Week e financiou a restauração do Coliseu em 2011. A Fendi fez o mesmo com a Fonte de Trevi. A Chanel, com o Grand Palais em Paris. Já a Loewe mantém desde 2016 um prêmio anual para artesãos e lançou recentemente o livro “Crafted World” para celebrar o legado criativo de Jonathan Anderson.
Para Dahmen, esse retorno ao artesanal não é apenas seguro, mas estratégico. “Você não pode ficar politicamente irritado com alguém falando sobre artesanato. Parece que as marcas estão voltando a assumir uma postura neutra e explorar territórios mais seguros — com mínimas repercussões legais.”