Andreia Fernandes é especialista em neurociência (Foto: Edify Education)

Andreia Fernandes é especialista em neurociência (Foto: Edify Education)

Educação

ARTIGO

Andreia Fernandes: o mundo digital pode estar mudando o cérebro humano

Uso do ChatGPT reduz atividade cerebral e criatividade, aponta estudo do MIT sobre impactos cognitivos da inteligência artificial

Um estudo recente conduzido pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) acendeu um alerta sobre os impactos cognitivos do uso da inteligência artificial na produção de textos. A pesquisa comparou a atividade cerebral de três grupos: um que escreveu textos com a ajuda do ChatGPT, outro que buscou informações via Google e um terceiro que usou apenas seus próprios conhecimentos. O resultado foi claro: o grupo que utilizou a IA teve significativamente menos atividade cerebral. A análise mostrou que os usuários de modelos de linguagem apresentaram menos conexões entre diferentes regiões do cérebro, menor conectividade alfa — associada à criatividade — e menor conectividade teta, ligada à memória de trabalho. Além disso, os textos gerados com auxílio da IA tendiam a convergir para palavras e ideias comuns, revelando um efeito de homogeneização.

A constatação reforça um ponto central: a IA é uma tecnologia das médias. Grandes modelos de linguagem são treinados para identificar padrões em vastos bancos de dados. Como consequência, as respostas tendem ao consenso — e o pensamento humano, ao comodismo. Se outras tecnologias já desafiaram o papel do escritor, a IA oferece agora a possibilidade de terceirizar o raciocínio de forma quase total. O risco é evidente: tornar-nos intelectualmente mais negligentes.

No entanto, a questão não é apenas sobre o uso da IA. Vivemos em um mundo cada vez mais digital, e a neurociência aponta que o problema não está nas telas em si, mas no uso excessivo, passivo e sem critérios. O equilíbrio e a mediação ativa de adultos — sobretudo no caso de crianças e adolescentes — são essenciais para proteger o desenvolvimento cerebral.

O alerta já chegou até o entretenimento. A Pixar, por exemplo, revelou que o vilão do próximo Toy Story 5, previsto para 2026, será um tablet infantil com inteligência artificial, chamado LilyPad. A escolha do personagem toca em um ponto sensível nos debates sobre educação e neurodesenvolvimento: as telas são vilãs ou aliadas?

O cérebro humano é composto por bilhões de neurônios interconectados por sinapses. Quando somos expostos a novos estímulos, nossa rede neural se reorganiza. Esse fenômeno — conhecido como neuroplasticidade — é o que nos permite aprender ao longo da vida. No ambiente digital, jogos e atividades que exigem resolução de problemas ou pensamento estratégico contribuem para o fortalecimento dessas conexões.

Recursos como vídeos, animações e realidade virtual ativam múltiplas áreas do cérebro simultaneamente, facilitando o armazenamento e a recuperação de informações. Quando utilizados com curadoria pedagógica, equilíbrio e intencionalidade, esses recursos podem apoiar o desenvolvimento das chamadas funções executivas: memória de trabalho, atenção seletiva, planejamento e autorregulação.

Ferramentas como jogos de simulação, desafios gamificados e aplicativos educativos estimulam o raciocínio estratégico, a tomada de decisões, a persistência e o controle inibitório. Por outro lado, o uso irrestrito, desregulado e sem propósito dessas tecnologias pode comprometer o desenvolvimento de habilidades cognitivas fundamentais, especialmente em crianças e adolescentes.

Mais do que buscar uma única resposta, o debate precisa se concentrar em como essas ferramentas moldam — ou achatam — nossa forma de pensar. O desafio está em integrá-las ao cotidiano de forma crítica, com propósito e mediação, para que estimulem, e não substituam, o raciocínio humano.

**Andreia Fernandes é Especialista em Neurociência aplicada ao aprendizado e coordenadora acadêmica do Edify Education.

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